Dia de azar em Buenos Aires.

22.11.17

Imagem por Aoreste, sob licença Creative Commons.

Sabe aqueles dias que você acorda com o pé esquerdo? Que tudo parece dar errado e que era melhor você ter ficado protegido debaixo das cobertas na sua cama quentinha?

ENTÃO!

Sexta-feira, (por incrível que pareça, não era 13) dia lindo para ir à faculdade, não é mesmo? NÃO QUANDO A VIDA RESOLVE ZOAR COM A SUA CARA, PORQUE SIMPLESMENTE QUER!

Estava dormindo bem, com aquele alivio de acordar e ainda não ser a hora de levantar. Me aconchegava no quentinho do cobertor e voltava a dormir como uma anjinha que sou, toda meiga. Até que, sem mais nem menos, entra o meu padrasto no quarto e fala todo meigo.

— Ayumi ya son las seis y cuarto.

Eu arregalei os olhos desesperada. COMO ASSIM JÁ ERAM SEIS E QUINZE? JÁ ERA PARA EU ESTAR NO PONTO DE ÔNIBUS! Joguei o cobertor para o lado, ainda meio dormida, com aquela sensação de nem saber o que estava fazendo. Depois do mini ataque cardíaco da nerd pontual, peguei o meu celular, apertei o botão e nada, apertei mais uma vez e nada.

O INFELIZ DO CARREGADOR NÃO ESTAVA FUNCIONANDO. Fiquei braba? Claro! Porque além disso, o despertador de mil novecentos e bolinha, que gritava em japonês, também não estava funcionando. Pilhas, por que vocês me deixam na mão?

Até aí eu já havia me descabelado toda, olhei para o relógio e pensei: não vou chegar “ni en pedo” para a primeira aula, voltarei ao meu sono de beleza e vou chegar bem para a aula de neurofisiologia.

I-LU-DI-DA

Troquei a pilha do despertador e quando coloquei o celular para carregar, levei um baita choque da tomada. Bela forma de acordar, não é mesmo?

Dormi por mais ou menos uma hora, acordei bem, sem nada bizarro acontecendo, nenhum bicho papão havia me levado para o mundo obscuro que fica debaixo da cama. Ufa!

Parti para a minha mini viagem. Peguei o búzios até a estação para esperar o grande e lindo “Chevallier”, um busão enorme de viagem com ar-condicionado e poltrona reclinável que vai até Buenos.

Esperei, esperei e esperei (insira som de ronco aqui). E nada do Chevy vir, olhei para o relógio e pensei: Putz, eu não posso perder neuro, eu amo neuro, neuro leve a minha alma, eu deixo.

O primeiro ônibus que veio, foi um comum, com banco mais duro que rapadura ou o meu coração de gelo. Então belezinha, estava no búzios com o popôzinho quadrado e quase caindo de sono. Dormi a primeira meia hora, até que escuto uma senhora dizendo:

— No sé que pasó, creo que fue un choque en la ruta.

Estávamos mais lentos que uma tartaruga reumática, isso porque DOIS, isso mesmo, DOIS acidentes haviam acontecido no meio da estrada. Demorei quase duas horas e meia para chegar até a capital, mas tudo bem, pude tirar uma soneca marota do busão.

Cheguei à capital e fui voando para o metrô, entrei, sentei, tudo estava indo bem, tirando o fato que o metrô tem duas velocidades “normal” e “indo quase parando”, a velocidade de sempre é a segunda. Juro que não entendo, a capital é um ovo e você demora muito mais para chegar aos lugares do que em SP.

Esperei paciente até a minha estação e desci toda esperançosa de que chegaria a tempo. Estava apertada para ir ao banheiro e usei a lógica: vou ao banheiro daqui que nunca tem ninguém e voou direto para a faculdade, se eu for usar o banheiro de lá, vou mofar na fila, quem mandou estudar em um lugar que 90% são mulheres?

Então fui ao banheiro e encontrei uma senhorinha organizando umas coisas em sua bolsa, ela sorriu e perguntou se eu tinha papel higiênico, já que o do metrô havia acabado. Agradeci e falei que tinha papel.

Estudante da UBA sempre deve ter, pelo menos, um rolo de papel higiênico na mochila, porque nunca tem papel nos banheiros!

Entrei no único box e fechei a porta, ela fez um barulho estranho, mas nem liguei muito. Fiz o que precisava fazer e quando fui girar o trinco para abrir a porta, o treco não gira!

Tive outro mini ataque cardíaco.

Comecei a empurrar a porta, forcei o trinco, tentei fazer truque levantando um pouco ela e nada. Pronto, tinha ficado presa no banheiro, que ótimo! Era só o que me faltava.

— ¿Estás bien? — perguntou a senhora toda preocupada.

— Creo que estoy atrapada, no puedo salir — respondi tentando não parecer desesperada e começar a me descabelar em português.

A senhora disse que chamaria alguém para me ajudar e que voltaria logo, mas murmurou sozinha um “não posso deixar todas as minhas coisas aqui”. Entrei em desespero, será que ela guardaria todas as coisas na bolsa e depois chamaria alguém para me socorrer?

Já tinha na cabeça que perderia a aula, já não adiantava mais. Chegaria atrasada de qualquer maneira, faltava dez minutos e eu demorava quinze até chegar à faculdade. Respirei fundo pedindo para o universo me ajudar e logo escuto ela gritando.

— iChe! iAyudáme que hay una nena atrapada en el baño!

Nena?! Não poderia ter falado chica? Eu sei que tenho cara de doze anos, mas não precisava falar nena... pelo menos não falou nenita...

— ¿Atrapada? — Escuto a voz de um homem.

— Sí, una nena. Vení rápido.

Escuto passos e o homem pede licença pelo menos uma três vezes antes de entrar. Perguntou se eu já tinha tentado girar o trinco... É CLARO MEU FILHO.

Disse para eu girar para lá, para cá, empurrar para cima, para baixo. Ele colocou o pé na pequena abertura debaixo da porta e fez força para cima... nada da maldita porta abrir. Era isso, eu estava presa, ficaria aqui a tarde inteira até que alguém viesse arrombar ou desmontar a porta. Não tinha mais esperanças até que ele diz:

— ¿Tenés movilidad? — Franzi a testa não entendendo muito bem o que ele queria dizer com “movilidad”.

— Sí (?). — Respondi meio na dúvida e então entendi o que ele queria dizer.

Encarei o chão do banheiro, o vão da porta, o chão do banheiro e o vão da porta, olhei para a minha bela barriguinha saliente e respirei fundo.

— ¿Podés salir por abajo? — Engoli seco.

— Sí (?).

Era só o que faltava para completar o meu dia. Me rastejar no chão do banheiro do metrô! Mas eu estava desesperada, não iria me fazer de fresca e esperar alguém vir me salvar como donzela em perigo, tinha até pensado em sair por cima, mas isso sim seria loucura. Passei minha mochila pelo vão e ela passou sem problemas, agora era a minha vez.

Respirei fundo e lá fui eu, me ajoelhei e passei pelo vão fazendo uma leve curva com as costas e encolhendo o popô, me sentia uma lagarta (pronta para virar borboleta e sair voando para aula de neuro).

Agradeci o cara, que ficou meio sem jeito e disse que eu não precisava agradecer, já que ele não conseguiu abrir a porta e muito menos me tirou de lá, mas o agradeci mesmo assim. Agradeci também a senhorinha que foi um amor de pessoa, se não fosse ela, eu estaria lá até hoje! 

Lavei as mãos e saí correndo em disparada à faculdade, a aula já deveria estar para começar, mas eu torcia para que a profe demorasse um pouquinho mais no celular que ela sempre mexia antes de dar o horário.

As minhas batatas da perna começaram a arder de tão rápido que eu estava andando (literalmente uma batata quente). Olhei para a escada e depois para o elevador, e de novo para a escada e para o elevador. Pedi desculpa com o olhar para a escadinha marota e entrei no elevador com mais umas quatro meninas.

Um parênteses aqui: a faculdade tem só três andares e sempre tem fila no elevador, já vi pessoas usarem ele para descer um andar só. Gente, subir escada não mata não! Abrindo outro parênteses aqui: outro dia que eu estava atrasada, fiquei esperando um elevador (com gente que desceu no primeiro andar) e antes de subir, um argentino “buena onda” disse: “Vamos usar a escada hoje? É saudável, vamos?”. Eu quase mudei de ideia e disse “vou sim!”, mas os outros o encararam com uma carinha de asco que eu até me assustei, uma cara do tipo “esse hippie tá louco, brother”. 

VAMOS VOLTAR AO QUE INTERESSA, NÃO É MESMO?

Lá estava eu no segundo andar, as pessoas todas sentadinhas na sala de aula e a professora de pé falando alguma coisa, entrei tentando chamar menos atenção possível e sentei na frente, xingando por dentro por não ter sobrado nenhuma cadeira com o apoio da mesa, tive que escrever apoiando as folhas do fichário na coxa, mas isso era de menos, faculdade é assim mesmo.

Por sorte, a professora estava falando sobre a prova, datas de recuperações e das provas finais, nada que eu não soubesse. O resto do dia na faculdade foi normal, pensei que o micro-ondas explodiria na minha cara porque o dia estava meio azaroso, mas tudo estava na mais perfeita paz. Encontrei com a minha amiga de psicologia geral e comentei com ela o dia de cão, ela arregalou os olhos e disse que quando acorda em um dia assim “ni en pedo” sai de casa, disse que é um sinal do universo e que eu não deveria desafiá-lo, também falou que eu era corajosa de ainda estar sentada ali naquela aula do cão (#psicogeraldumal).

Escutei a aula quase dormindo de tão monótona que a professora era. Consegui sobreviver até o final do dia, saí da faculdade e não fui atropelada por um carro, nem me jogaram nos trilhos do metrô e nem me roubaram no ponto de ônibus (sim, eu estava pensando que tudo isso poderia acontecer). Subi no búzios e lá estava eu, quase duas horas com a bunda quadrada já, o bom é que não houve nenhum acidente no caminho de volta.

Desci na estação achando que o dia de azar tinha acabado, mas o bendito ônibus, que parava na frente de casa, não vinha. Fiquei meia hora esperando o infeliz e quando veio, estava lotado (geralmente vem vazio). Isso não era um problema, estava acostumada com as latas de sardinha que são os ônibus em São Paulo na hora de pico, fiquei parada perto da porta e do sinal, já que sou baixinha e as pessoas costumam formar um paredão, impossível de atravessar, à minha volta. Dei o sinal para descer no meu ponto e vi que o ônibus estava indo muito rápido para quem teria que parar, apertei de novo e passou direto do meu ponto! Apertei mais uma vez para descer no próximo que eu nem sabia onde era! Ele parou, abriu as portas e então eu vi... na verdade, não vi nada porque todos os postes daquela parte da rua não funcionavam, havia um matagal na minha frente e do outro lado uma rua que levava até uma “villa”. Olhei ao meu redor, não havia uma pessoa sequer, tudo escuro e o som dos grilos era macabro.

Andei uma quadra e meia rezando para que nada acontecesse de ruim, atravessei a rua e finalmente estava em casa, VIVA!

ESTAVA VIVA. Depois de acordar atrasada, levar um choque, ficar com a bunda quadrada em um busão velho, enfrentar um trânsito com dois acidentes, ficar presa no banheiro do metrô, chegar atrasada na aula que mais amo e ser deixada num ponto do meio do nada. Eu cheguei VIVA!

Só acho que alguém precisava tomar um banho com água benta para espantar mau olhado, sei lá, jogar um salzinho pelo ombro, pular sete ondas...

E você pandawan, qual foi o seu dia de azar?

Dicionário Argentino:
○ Ni en pedo - nem a pau (?).
○ Nena - menina, garota, garotinha, usado geralmente para se referir à crianças do sexo feminino.
○ Movilidad - mobilidade, flexibilidade.
○ Buena onda - pessoa legal, bacana, daora, maneiro, que tem uma vibe boa.
○ Villa - favela.



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6 comments

  1. Adorei!! Ri muito lendo. Seu jeito de escrever é muito bom de ler!!

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  2. Caramba Ayumi, que dia hein? hahaha tem dia que parece que tudo ta ao contrário, ainda bem que já acabou!

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    1. Ufa, nem me fale! Consegui sobreviver, isso é o que importa \o/

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  3. Ayumi parece cena de filme, mas quando acontece na vida real não é tão divertido pra que passa pela situação. Adorei a maneira que você narrou seu dia inusitado. Já passei por algo parecido, mas no lugar de perder o ônibus coloque pegar o bus errado em dia de chuva que você tem uma prova importante na faculdade do outro lado da cidade. kkk Mas ainda bem que deu tudo certo no final.

    Blog Profano Feminino

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    1. É divertido quando acontece com os outros ou depois que já passou tudo, juro que no dia seguinte ri só de lembrar do que tinha acontecido.
      Mas gente :o pegar o bus errado, na chuva, em dia de prova, e a facul ainda é do outro lado da cidade? :o Você conseguiu chegar a tempo? Gente do céu, é cada coisa que acontece nessa vida! shauhsauhsauhsa Deveria aparecer um aviso antes de acordar "esse dia vai ser péssimo, escolha: continuar dormindo ou arriscar sair da cama". Hehe

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